Depois dos Ovos da galinha caipira, os de pata e de codorna buscam seu lugar à mesa

Uma das coisas mais privadas do mundo é provavelmente um ovo antes de ser quebrado, escreveu a autora norte-americana MFK Fisher (1908-1992) em seu "Como Cozinhar um Lobo", no qual desdobra receitas de ovos.
 
Ao fuçar livros aqui e acolá fica óbvio: o ovo sempre esteve presente na alimentação da humanidade. É simples, nutritivo, versátil e barato.
 
Massacrado pela crença do alto colesterol, nos anos 50, o ovo teve grande queda de consumo em países como os Estados Unidos (leia box abaixo). Desfeitos os mitos, o ingrediente volta às mesas.
 
O palpite da chef Renata Braune, do Chef Rouge, é que os ovos voltaram à moda, em São Paulo, depois da onda dos ovos perfeitos -similares aos japoneses "onsen tamago", que surgiram na Antiguidade quando se utilizava águas termais para cozinhá-los em cestas de bambu.
 
Inspirada nesse ingrediente, à semelhança de Auguste Escoffier, que nos anos 1900 tinha um repertório de mais de 300 pratos de ovos, Braune montou um menu (que entra em cartaz no dia 29 deste mês) com receitas de ovos de galinha, de pata, de codorna.
 
Apesar de se comportarem parecido no cozimento, segundo o autor Michael Ruhlman, cuja paixão por ovos "beira a devoção religiosa", eles diferem em tamanho, densidade, untuosidade -assim como em preço e oferta.
 
Os de pata, por exemplo, estão à venda em poucos mercados, têm sabor mais intenso, gema maior e mais oleosa.
 
Ovos de avestruz, enormes, de casca rígida, são míseros por aqui. Marek Jan Kac, que criou o animal nos anos 2000, diz que hoje quase não existem criadores de avestruz, por falta de demanda.
 
"O ovo é muito parecido com o da galinha, mas 20 vezes maior. Nunca compensou ser consumido porque é caro. Naquela época, custava R$ 200, a unidade."
 
Paulo Barros, do Italy, lembrou quando a chef Flávia Quaresma fez uma omelete de ovos de avestruz, do qual provou um tiquinho.
 
Ele gosta de usar ovos caipiras nas massas, que ficam mais saborosas e amareladas. No Italy, faz um ravióli recheado de gema, que descansa no freezer para ficar firme.
 
Vez ou outra, usa ovo de codorna.
 
Codornas botam ovos pequenos, de membrana firme e casca pintada, difícil de quebrar.
 
William Fujikura, produtor dessas aves, recorre a uma faca serrilhada para quebrar os ovos in natura. Para descascá-los já cozidos, recomenda esperar quatro dias após a postura, quando a membrana entre a casca e o ovo fica menos resistente.
 
Pequenos e delicados, de clara mais líquida e translúcida, são usados para canapés e saladas. Segundo Fujikura, 70% dos ovos de codorna do Brasil são vendidos em churrascarias e quilos.
 
ASSIM, ASSADO
 
Ovos são usados para muita coisa. Alice Waters, cozinheira norte-americana precursora do movimento "Slow Food", diz que, se você tiver ovos em casa, sempre poderá preparar o que comer. Eles se prestam a espessar, emulsionar, clarificar, colorir...
 
E são consumidos das mais diversas formas -cozidos, fritos, assados, poché.
 
Mas não só: na China, ovos milenares, de pata, ficam enterrados em argila por semanas ou meses até que a gema fique cremosa e esverdeada e clara translúcida marrom.
 
A nutricionista e pesquisadora Neide Rigo traz memórias do interior de São Paulo:
 
"De vez em quando aparecia uma galinha ovada [a ave com os ovos em formação] na panela da minha mãe. Artigo cobiçadíssimo pelas minhas irmãs! Era adicionado à panela com o fígado. Gemonas, gemas e geminhas, todas grudadas. Cozidas no ponto certo, são deliciosas".
 
Nas Filipinas, os ovos de pata são consumidos com embriões de duas a três semanas -ou seja, com formação aparente do animal.
 
No norte do Brasil, mesmo sendo proibido, ainda se come ovo de tartaruga-da-Amazônia -sua predação é uma das maiores causas da diminuição da espécie.
 
Neide Rigo lembra dos ovos de tracajá, que comeu no Marajó, com farinha. "Tem uma clara gelatinosa e translúcida -não endurece nunca. E o sabor é muito inferior aos ovos de galinha caipira, aos de pata", conta.
 
FRESCOR
 
Quando envelhece, a qualidade do ovo decai -a clara fica mais transparente e menos densa, assim como a gema, que incha e fica com a membrana menos firme.
 
No Japão, onde se concentra o maior consumo de ovos per capita do mundo, a validade é controlada. "As datas são carimbadas na casca e, em alguns casos, se escreve a data de postura", diz a chef Mari Hirata, brasileira radicada naquele país.
 
"Em temperatura ambiente, os ovos perdem num dia, em qualidade, o mesmo que perderiam em quatro dias sob refrigeração", diz Harold McGee, que estuda a relação entre ciência e cozinha.
 
Nos EUA, uma lei obriga os produtores a comercializar os ovos refrigerados. No Brasil, não há regulamentação para isso, mas, em casa, o ideal é conservá-los na geladeira.

Fonte: Folha.com - LUIZA FECAROTTA